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sábado, 23 de diciembre de 2023

Y EL ÓBOLO BAJO LA LENGUA


 




Segue o teu destino,


Rega as tuas plantas,


Ama as tuas rosas.


O resto é a sombra


De árvores alheias.



A realidade


Sempre é mais ou menos


Do que nos queremos.


Só nós somos sempre


Iguais a nós próprios.



Suave é viver só.


Grande e nobre é sempre


Viver simplesmente.


Deixa a dor nas aras


Como ex-voto aos deuses.



Vê de longe a vida.


Nunca a interrogues.


Ela nada pode


Dizer-te. A resposta


Está além dos deuses.



Mas serenamente


Imita o Olimpo


No teu coração.


Os deuses são deuses


Porque não se pensam.





Ricardo Reis.


Fernando Pessoa.


domingo, 18 de diciembre de 2022

OBITER DICTUM

 




«Sonhadores felizes são os pessimistas. Formam o mundo à sua imagem e assim sempre conseguem estar em casa. A mim o que me dói mais é a diferença entre o ruído e a alegria do mundo e a minha tristeza e o meu silêncio aborrecido. A vida com todas as suas dores e receios e solavancos deve ser boa e alegre, como para uma viagem em velha diligência para quem vai acompanhado. Nem ao menos posso sentir o meu sofrimento como sinal de Grandeza. Não sei se o é. Mas eu sofro em coisas tão reles, ferem-me coisas tão banais, que não ouso insultar com essa hipótese a hipótese de que eu possa ter gênio.»


Fernando Pessoa.


lunes, 3 de mayo de 2021

OBITER DICTUM


 




«Mas é o fumo do cigarro o que mais espiritualmente me reconstrói momentos passados. Ele apenas roça a minha consciência de ter paladar. Por isso mais [...] me evoca as horas que morri, mais longínquas as faz presentes, mais ne voentas quando me envolvem, mais etéreas quando as cor- porizo. Um cigarro mentolado, um charuto barato toldam de suavidade alguns meus momentos. Com que sutil plausibili- dade de sabor-aroma reergo os cenários mortos e empresto outra vez as [...] de um passado, tão século dezoito sempre pelo afastamento malicioso e cansado tão medievais sempre pelo inevitavemente perdido.»


Fernando Pessoa.


domingo, 19 de abril de 2020

OTRA BALSA EN EL AQUERONTE





RUAS E SOMBRAS


O velho sem interesse das polainas sujas, que cruzava freqüentemente comigo às nove e meia da manhã? O cauteleiro coxo que me maçava inutilmente? O velhote redondo e corado do charuto à porta da tabacaria? O dono pálido da tabacaria? O que é feito de todos eles, que, porque os vi e os tornei a ver, foram parte da minha vida? Amanhã também eu me sumirei da Rua da Prata, da Rua dos Douradores, da Rua dos Fanqueiros. Amanhã também eu — a alma que sente e pensa, o universo que sou para mim — sim, amanhã eu também serei o que deixou de passar nestas ruas, o que outros vagamente evocarão com um "o que será dele?". E tudo quanto faço, tudo quanto sinto, tudo quanto vivo, não será mais que um transeunte a menos na quotidianidade de ruas de uma cidade qualquer.

Fernando Pessoa.
Livro do desassossego.

Editora Brasiliense.

sábado, 20 de abril de 2019

Y EL ÓBOLO BAJO LA LENGUA





CAI CHUVA DO CÉU CINZENTO


Cai chuva do céu cinzento
Que não tem razão de ser.
Até o meu pensamento
Tem chuva nele a escorrer.

Tenho uma grande tristeza
Acrescentada à que sinto.
Quero dizer-ma mas pesa
O quanto comigo minto.

Porque verdadeiramente
Não sei se estou triste ou não,
E a chuva cai levemente
(Porque Verlaine consente)
Dentro do meu coração.


Fernando Pessoa.

lunes, 10 de septiembre de 2018

OTRA BALSA EN EL AQUERONTE




ENTRE ESTRELAS


       “Onde está Deus, mesmo que não exista? Quero rezar e chorar, arrepender-me de crimes que não cometi, gozar ser perdoado como uma carícia não propriamente materna.
       Um regaço para chorar, mas um regaço enorme, sem forma, espaçoso como uma noite de verão, e contudo próximo, quente, feminino, ao pé de uma lareira qualquer... Poder ali chorar coisas impensáveis, falências que nem sei quais são, ternuras de coisas inexistentes, e grandes dúvidas arrepiadas de não sei que futuro...
       Uma infância nova, uma ama velha outra vez, e um leito pequeno onde acabe por dormir, entre contos que embalam, mal ouvidos, com uma atenção que se torna morna, de perigos que penetravam em jovens cabelos louros como o trigo... E tudo isto muito grande, muito eterno, definitivo para sempre, da estatura única de Deus, lá no fundo triste e sonolento da realidade última das coisas...
       Um colo ou um berço ou um braço quente em torno ao meu pescoço... Uma voz que canta baixo e parece querer fazer-me chorar... O ruído de lume na lareira... Um calor no inverno... Um extravio morno da minha consciência... E depois sem som, um sonho calmo num espaço enorme, como a lua rodando entre estrelas...”


Fernando Pessoa. 
Livro do desassossego
Editora Brasiliense.

sábado, 24 de septiembre de 2016

OTRA BALSA EN EL AQUERONTE







AS FOLHAS CAEM NO PASSEIO


        «Quando ponho de parte os meus [...] e arrumo a um canto, com um cuidado cheio de carinho — com vontade de lhes dar beijos — os meus brinquedos, as palavras, as imagens, as frases — fico tão pequeno e inofensivo, tão só num quarto tão grande e tão triste, tão profundamente triste!...

        Afinal eu quem sou, quando não brinco? Um pobre órfão abandonado nas ruas das sensações, tiritando de frio às esquinas da Realidade, tendo que dormir nos degraus da Tristeza e comer o pão dado da Fantasia. De um pai sei o nome; disseram-me que se chamava Deus, mas o nome não me dá idéia de nada. Às vezes, na noite, quando me sinto só, chamo por ele e choro, e faço-me uma idéia dele a quem possa amar... Mas depois penso que o não conheço, que talvez ele não seja assim, que talvez não seja nunca esse o pai da minha alma...

        Quando acabará isto tudo, estas ruas onde arrasto a minha miséria, e estes degraus onde encolho o meu frio e sinto as mãos da noite por entre os meus farrapos? Se um dia Deus me viesse buscar e me levasse para sua casa e me desse calor e afeição... Às vezes penso isto e choro com alegria a pensar que o posso pensar... Mas o vento arrasta-se pela rua fora e as folhas caem no passeio... Ergo os olhos e vejo as estrelas que não têm sentido nenhum... E de tudo isto fico apenas eu, uma pobre criança abandonada, que nenhum Amor quis para seu filho adotivo, nem nenhuma Amizade para seu companheiro de brinquedos.

        Tenho frio demais. Estou tão cansado no meu abandono. Vai buscar, ó Vento, a minha Mãe. Leva-me na Noite para a casa que não conheci... Torna a dar-me ó Silêncio [...], a minha ama e o meu berço e a minha canção com que eu dormia.»


Fernando Pessoa. Livro do desassossego. Editora Brasiliense.

lunes, 16 de noviembre de 2015

OTRA BALSA EN EL AQUERONTE




SEMPRE COM FOME


“Pobres-diabos sempre com fome — ou com fome de almoço, ou com fome de celebridade, ou com fome das sobremesas da vida. Quem os ouve, e os não conhece, julga estar escutando os mestres de Napoleão e os instrutores de Shakespeare.

Há os que vencem no amor, há os que vencem na política, há os que vencem na arte. Os primeiros têm a vantagem da narrativa, pois se pode vencer largamente no amor sem haver conhecimento célebre do que sucedeu. É certo que, ao ouvir contar a qualquer desses indivíduos as suas Maratonas sexuais, uma vaga suspeita nos invade, pela altura do sétimo desfloramento. Os que são amantes de senhoras de título, ou muito conhecidas (são, aliás, quase todos), fazem um tal gasto de condessas que uma estatística das suas conquistas não deixaria sérias e comedidas nem as bisavós dos títulos presentes.


Outros especializam no conflito físico, e mataram os campeões de box da Europa numa noite de pândega, á esquina do Chiado. Uns são influentes junto de todos os ministros de todos os ministérios, e estes são aqueles de que menos há que duvidar, pois não repugna.

Uns são grandes sádicos, outros são grandes pederastas, outros confessam, com uma tristeza de voz alta, que são brutais com mulheres. Trouxeram-nas ali, a chicote, pelos caminhos da vida. No fim ficam a dever o café.

Há os poetas, há os (...)”


Fernando Pessoa. Livro do desassossego. Editora Brasiliense.

domingo, 2 de junio de 2013

Y EL ÓBOLO BAJO LENGUA





Eu tenho ideias e razões,
Conheço a cor dos argumentos
E nunca chego aos corações.


                               Fernando Pessoa.

sábado, 13 de octubre de 2012

OBITER DICTUM





“Há muito tempo que não escrevo. Têm passado meses sem que viva, e vou durando, entre o escritório e a fisiologia, numa estagnaçao íntima de pensar e de sentir. Isto, infelizmente, não repousa: no apodrecimento há fermentação.

Há muito tempo que não só não escrevo, mas nem sequer existo. Creio que mal sonho. As ruas são ruas para min. Faço o trabalho do escritório com consciência só para ele, mas não direi bem sem me distrair: por tras estou, em vez de meditando, dormindo, porém estou sempre outro por trás do trabalho.

Há muito tempo que não existo. Estou sossegadísimo. Ninguém me distingue de quem sou. Senti-me agora respirar como se houvesse praticado uma cousa nova, ou atrasada. Começo a ter consciência. Talvez amanhã desperte para mim mesmo, e reate o curso da minha existência própria. Não sei se, com isso, serei mais feliz ou menos. Não sei nada. Ergo a cabeça | de passeante | e vejo que, sobre a encosta do Castelo, o poente oposto arde em dezenas de janelas, num revérbero alto de fogo frio. À roda desses olhos de chama dura toda a encosta é suave dofim do día. Posso ao menos sentir-me triste, e ter a consciência de que com esta minha tristeza se cruzou agora -- visto com ouvido -- o som súbito do eléctrico que passa, a voz casual dos conversadores jovens, o sussurro esquecido da cidade viva.

Há muito tempo que não sou eu.”


Fernando Pessoa

miércoles, 3 de agosto de 2011

Y EL ÓBOLO BAJO LA LENGUA


 




CRÓNICA FABULOSA DE FERNANDO PESSOA



murió el oficinista tenía

una hinchazón horrible paperas

de diagnóstico turbio un diván

gayo papeles esparcidos

por todos los alvéolos de su historia

un jijo de cartón grifos corriendo

que erizaban el vello de los brazos

murió fumando erraba ciertas noches

por claveles de tinta por finos mecanismos

guarnecidos de piel por sellos antigripe

acompañados de un certificado inusitadas

pirámides de polvo hallaron

un orinal debajo de su mesa

postales pornográficas de indescriptible alcance

un libro muy oscuro sobre el maestro eckhart

una alcancía llena de coñac

según los más veraces testimonios

solía mirar al alba los enormes delfines

las joyas y los cuernos que trajeron de goa

una rodela del gran navegante botes de humo

mazmorras para herejes los despuntes

del día le cogían en éxtasis se llevaban

su abrigo de mezclilla a su aterrador paraguas

su personalidad que vaya usted a saber

y otra vez -sol muy tibio gaviotas-

lo devolvían a su inútil despacho

mientras doblaban quejumbrosamente

las verdes anclas del almirantazgo.



Antonio Martínez Sarrión.


lunes, 27 de junio de 2011

OTRA BALSA EN EL AQUERONTE



UMA OLHADA


“O sócio capitalista aqui da firma, sempre doente em parte incerta, quis, não sei por que capricho de que intervalo de doença, ter um retrato do conjunto do pessoal do escritório. E assim, antes de ontem, alinhamos todos, por indicação do fotógrafo alegre, contra a barreira branca suja que divide, com madeira frágil, o escritório geral do gabinete do patrão Vasques. Ao centro o mesmo Vasques; nas duas alas, numa distribuição primeiro definida, depois indefinida, de categorias, as outras almas humanas que aqui se reúnem em corpo todos os dias para pequenos fins cujo último intuito só o segredo dos Deuses conhece.

Hoje quando cheguei ao escritório, um pouco tarde, e, em verdade, esquecido já do acontecimento estático da fotografia duas vezes tirada, encontrei o Moreira, inesperadamente matutino, e um dos caixeiros de praça, debruçados rebuçadamente sobre umas coisas enegrecidas, que reconheci logo, em sobressalto, como as primeiras provas das fotografias. Eram, afinal, duas só de uma, daquela que ficara melhor.

Sofri a verdade ao vêr-me ali, porque, como é de supor, foi a mim mesmo que primeiro busquei. Nunca tive uma idéia nobre da minha presença física, mas nunca a senti tão nula como em comparação com as outras caras, tão minhas conhecidas, naquele alinhamento de quotidianos. Pareço um jesuíta frusto. A minha cara magra e inexpressiva nem tem inteligência, nem intensidade, nem qualquer coisa, seja o que for, que a alce da maré morta das outras caras. Da maré morta, não. Há ali rostos verdadeiramente expressivos. O patrão Vasques está tal qual é — o largo rosto prazenteiro e duro, o olhar firme, o bigode rígido completando. A energia, a esperteza, do homem — afinal tão banais, e tantas vezes repetidas por tantos milhares de homens em todo o mundo — são todavia escritas naquela fotografia como num passaporte psicológico. Os dois caixeiros viajantes estão admira veis; o caixeiro de praça está bem, mas ficou quase por trás de um ombro do Moreira. E o Moreira! O meu chefe Moreira, essência da monotonia e da continuidade, está muito mais gente do que eu! Até o moço — reparo sem poder reprimir um sentimento que busco supor que não é inveja — tem uma certeza de cara, uma expressão direta que dista sorrisos do meu apagamento nulo de esfinge de papelaria.

O que quer isto dizer? Que verdade é esta que uma película não erra? Que certeza é esta que uma lente fria documenta? Quem sou, para que seja assim? Contudo... E o insulto do conjunto?

—''Você ficou muito bem", diz de repente o Moreira. E depois, virando-se para o caixeiro de praça, "É mesmo a carinha dele, hein?". E o caixeiro de praça concordou com uma alegria amiga que atirou para o lixo.”


Fernando Pessoa. Livro do desassossego Editora Brasiliense.